Post by Deleted on Jun 19, 2014 21:22:56 GMT -3
Nome: Tears to Tiara 2
Gênero: Tactics RPG, Visual Novel
Produtora: Aquaplus
Plataforma(s): Playstation 3
Versão analisada: Japonesa
Lágrimas à coroa
Tears to Tiara 2 é o terceiro jogo da série para Playstation 3.
O Tears To Tiara original era um híbrido de Estratégia em Tempo Real com Visual Novel de conteúdo adulto para PC lançado pela Leaf, recebendo mais tarde um remake feito pela Aquaplus para Playstation 3 e se consolidando como um Tactics “tabuleiro”/Visual Novel. Após esse remake, a série ganhou espaço e recebeu um anime, um mangá, uma continuação-spin off, ports para Playstation Portable e essa sequência oficial para o Playstation 3.
Nota: Com um pouco de pesquisa, é possível encontrar o primeiro jogo para PC completamente traduzido para inglês.
Olha, é de PS2?
Tears to Tiara 2 não é nenhum primor técnico, e pelo visto, a série ainda está longe de ser até mesmo mediano para tal. O jogo melhorou muito em relação aos anteriores, mas ainda possui modelagens pobres, texturas lavadas, constantes problemas de colisão, dando a impressão de que os personagens estão sempre flutuando/voando (apesar de alguns de fato voarem/flutuarem) e alguns bugs de carregamento de texturas que faz o Playstation 3 travar. Apesar do bom trabalho artístico, a Aquaplus não conseguiu aproveitar essa característica para amenizar as deficiências. Ao menos, em desempenho o título não desaponta (pelo menos quando não trava), pois possui loadings rápidos, taxa de quadros constante e bom controle de câmera e velocidade das partidas, deixando a jogatina bem agradável.
A parte sonora, por outro lado, é um show a parte. Possui uma série de músicas orquestradas que casam muito bem com os momentos apresentados, muitas delas cantadas. Essa mesma trilha sonora pode se tornar um pequeno negativo para quem acompanha a série desde o primeiro jogo, já que algumas faixas foram recicladas.
Outro ponto positivo é a bela animação de abertura. Infelizmente, só tem uma o jogo todo.
Os escravos de deus
Tears to Tiara 2 conta a história de Hamil, o último da linhagem nobre dos Balcas, que começa uma guerra civil para emancipar seu país de origem, Hispania, do domínio do “Império Sagrado”. Para isso, ele conta com a ajuda de ninguém menos que um dos “Deuses do Baal” cultuados pelo seu povo, a deusa Astart. O jogo se passa logo após os eventos finais do jogo anterior, mas em outro continente; Isso significa que o jogador não precisa ter jogado os anteriores para entender o que acontece, mas quem jogou será recompensado com muitas referências, cameos e explicações extras.
Apesar do pano de fundo simplório e um tanto batido, Tears to Tiara 2 possui um dos enredos mais bem construídos que o jogador pode encontrar em um JRPG, isso sem contar a quantidade massiva de referências históricas do mundo real, como por exemplo a transição da Idade Antiga para a Idade Média, a soberania nociva da Igreja, o Protestantismo, a Trilogia da Morte (guerra, fome, peste negra) e o Mundo Árabe (Meca, Alá, os Ídolos). Outros pontos menos sutis, como a linhagem se chamar “Balca” (lembrando os Balcãs/Balkans) e o país em questão se chamar Hispania, só ajudam a completar essa complexa e intrigante salada histórica.
Outro aspecto marcante do título é a crítica pesada ao uso mal-intencionado da religião e da fé humana, além de sempre filosofar sobre o que é de fato um deus, ou o que é ser um. Independentemente do jogador ser ou não adepto a alguma crença, é bem interessante refletir sobre as questões levantadas pelo jogo, já que o mesmo abre debates de um ponto de vista social, sem desrespeitar ou “querer converter” quem discorda.
A dublagem é mais um dos destaques; Tears to Tiara 2 possui inúmeros bons personagens, interpretados por inúmeros ótimos atores, incluindo a “Tsundere Queen” Kugimiya Rie (Shana de Shakugan no Shana), o infame Majima Junji (Prinny de Disgaea) e Shirokuma Hiroshi (Livrum de Soul Sacrifice). Apesar desse elenco de alto nível, um único ator conseguiu roubar quase todos os holofotes: Matsuoka Yoshitsugu (Kirito de Sword Art Online). Incorporando o protagonista Hamil, Yoshitsugu encarnou com voz e alma o personagem, transmitindo e maximizando sentimentos e sensações para o jogador com uma perfeição talvez nunca vista em uma dublagem japonesa.
Como já mencionado, Tears to Tiara 2 é um jogo de Tactics “tabuleiro”, com o Visual Novel encarregado pela narrativa. Para quem não sabe, um Visual Novel é uma espécie de livro interativo, onde o “jogador” poder “virar a página” apenas apertando um botão, e todo o texto é acompanhado de dublagem, imagens de fundo e artes dos personagens (algumas oferecem escolhas que podem mudar o andamento das coisas, mas não é o caso desse jogo). Não demora muito para ficar clara a razão da Aquaplus ter escolhido esse modelo de apresentação: o universo do jogo ficou extremamente rico e detalhado, matando todas as dúvidas e brechas ao longo do progresso enquanto dá ao jogador uma forte sensação de ter acompanhado uma longa aventura com os personagens e realmente ter participado da guerra. O festival de diferentes sentimentos que o título faz o jogador experimentar é também fora de série.
Infelizmente, o modelo “Visual Novel” não foi aplicado de forma perfeita no jogo. A porção de texto (quase 1/3 do modo campanha) não foi distribuída (ou resumida) da melhor forma possível, resultando em algumas sessões com quase uma hora de pura leitura sobre política e/ou táticas militares, dando para o jogador apenas alguns intervalos onde é possível salvar o progresso. Mesmo para quem já está acostumado com Visual Novels, essas quebras de ritmo com alguns assuntos enfadonhos entre as batalhas podem acabar comprometendo um pouco o clima vez ou outra, mas nada que chegue a arruinar a experiência final. Para os que só querem saber da parte Tactics, o jogo permite passar os textos em alta velocidade, fazendo com que os longos diálogos durem segundos.
Outro “porém” fica para o final do jogo, que apesar de ser emocionante e encerrar bem a aventura, é regado a “Deus Ex Machina” e clichês melosos como “a força do amor”, não combinando com o clima obscuro, seco e cruel passado quase o tempo todo pela narrativa.
Dá pra muntá no grifo?!
Tears to Tiara 2 tem como gameplay o Tactics “tabuleiro”, gênero consagrado por clássicos como Final Fantasy Tactics, Tactics Ogre, Front Mission, Disgaea e Summon Night. A série da Aquaplus não fica atrás em nada desses clássicos, tendo todos os aspectos básicos necessários para que o jogo seja funcional e inúmeros elementos únicos que fazem dele tão “imperdível” quanto.
O jogo mistura elementos do Xadrez com RPG, onde os personagens batalham contra monstros e/ou outros humanos em um tabuleiro (para avançar na história ou num Free Map, para treinamento) e ganham experiências por suas ações. Essas experiências, por suas vez, variam, podendo ser pontos de EXP ou SP: O primeiro aumenta stats, enquanto o outro faz os personagens ganharem golpes novos, magias mais poderosas e até mesmo habilidades passivas, que variam desde simples boosts nos stats a características interessantes como regenerador de MP e a possibilidade de agir duas vezes num único turno. O sistema é interessante para os jogadores que procuram progredir com níveis baixos, pois dependendo de como se treina, é possível fazer com que se adquira mais SP que EXP, tendo assim acesso a habilidades avançadas muito mais cedo.
O bestiário, para um jogo do gênero, é bem variado, tendo inclusive elefantes que ocupam duas “casinhas” (um faz parte do exército de Hamil e pode ser controlado pelo jogador) e até gigantescos que ocupam nove. Alguns, assim como algumas músicas, são reciclados dos anteriores, mas até aí, vindo de uma continuação direta de uma produtora pequena, não é de se espantar. O destaque da vez acaba ficando para elefantes, e não os gigantescos, como normalmente se esperaria, pois posicionar o narigudo da forma certa para estar apto a contra-atacar e/ou não virar um saco de pancadas acaba sendo uma tarefa um tanto trabalhosa.
Um ponto que leva bastante destaque em Tears to Tiara 2 é o sistema de elementos. Assim como na maioria dos RPGs, cada elemento (fogo, água, vento, terra, luz, sombra, divino) é forte contra um e fraco contra outro, e o jogo explora essa característica de forma bem inteligente e diferenciada: além de todos (heróis ou inimigos) terem seus próprios elementos, a cada turno um ciclo gira, indicando quem são os elementos soberanos da rodada. Durante esse turno, todos e tudo que são dos elementos indicados recebem um aumento considerável nos stats e outros bônus dependendo das habilidades passivas. Torna-se, portanto, crucial o bom planejamento e bom uso de cada unidade, sabendo quando usar ou quando evitar, para ter o melhor aproveitamento possível durante as partidas.
E as idéias interessantes não param por aí. O jogo conta também com um sistema de montaria, onde alguns personagens têm uma habilidade única de montar em animais. Essas montarias por si só não são muito poderosas, mas equipadas da forma certa, montadas pelos personagens certos e usados nas situações certas, podem acabar se transformando em verdadeiros tanques de guerra. Um dos personagens, inclusive, possui uma habilidade de conversar com os bichos selvagens durante as batalhas; Tornando-se amigos, o monstro fica temporariamente no controle do jogador, podendo não só usar de montaria como também mandar literalmente se matar contra outro inimigo e aliviar a barra dos heróis.
Outro sistema único é a Chain Stock. Barra que aumenta a cada nível de SP e é preenchida a cada golpe dado ou recebido, ela serve para inúmeras funções: desencadear uma série de golpes normais em sequência para fazer um combo, desferir golpes especiais mais poderosos ou até mesmo utilizar golpes combinados com outros personagens. O mais incrível de todas essas opções é que não existe uma melhor que as outras, pois todas necessitam de situações diferentes, seja do inimigo, dos aliados ou do próprio terreno.
O casal de protagonistas Hamil e Tart (abreviação de Astart) possuem, além da Chain Stock, suas barras de “transformação”, que ficam cheias basicamente da mesma forma que o primeira. Utilizando-as, Hamil fica possuído por um deus da guerra e Tart assume sua forma idealizada, ficando ambos mais poderosos, porém temporariamente. O preço pelo uso desses modos pode sair bem mais caro que a encomenda, pois quando eles acabam, os personagens sofrem um stats down enorme por um turno inteiro, se tornando um alvo fácil até para o mais fraco dos inimigos. Mais um bom recurso que amplia as possibilidades e pode ser um salva-vidas, dependendo puramente de estratégia do jogador.
Antes de começar um tabuleiro, o jogador precisa escolher um líder, que ativa uma característica única que depende do personagem (aumenta stats, regenera HP, MP, etc), e um número limitado de unidades. Mas isso não significa que precisa jogar só com eles até o final, pois um elefante dos heróis, assumindo o papel de burro de carga (e ironicamente, esse elefante é um dos animais que serve de montaria também), carrega uma carroagem onde a troca de unidades pode ser feita a qualquer turno, recuperando HP e MP de quem fica lá dentro. Mas, mais uma vez, as coisas não são tão fáceis e simples, pois se a carroagem ou o elefante perderem todo o HP, esse recurso é perdido durante o resto da fase. As trocas também só podem ocorrer uma vez por turno, então o bom senso e bom posicionamento do jogador são essenciais para se tirar proveito do potencial dinâmico dessa ferramenta.
Mas definitivamente o que mais merece destaque no jogo é a variedade de tabuleiros. Tears to Tiara 2 possui uma quantidade considerável de fases na campanha principal, e cada uma delas foi nitidamente planejada com cuidado, seja pelo design, seja pelo objetivo. Enquanto em uns o objetivo ou é fugir, matar o líber, abrir um baú certo com o item chave ou sobreviver, em outros o objetivo ou é acionar iterruptores, lutar em um terreno que imobiliza as unidades, que dá doenças aleatórias ou drena HP a cada turno, isso sem contar mapas que dão multiplos caminhos para chegar ao chefão, limite de turnos para fazer alguma coisa ou áreas opcionais que guardam tesouros mais valiosos. É um raro caso de tactics que não enjoa o jogador em aspecto algum.
Outro respeitável aspecto do título (e raro para o gênero) é a boa inteligência artificial e o bom balanceamento. Em dificuldades baixas o jogo é generoso, mas ainda sim desafiador; em níveis mais altos ele é brutal, com inimigos não apenas mais fortes, como mais inteligentes também, avançando com tudo em cima das unidades mais fracas e mantendo uma distância segura de magos e arqueiros. O jogo mantém o nível de desafio crescendo gradativamente e sem picos repentinos, tampouco quedas, até o final. Não há absolutamente nenhum personagem, magia ou golpe que possa ser chamado de “quebrado”, tampouco inimigo ou fase regados a uma dificuldade artificial, como bugs, falhas de mecânicas ou stats desleais. Um dos elementos que ajuda bastante a equilibrar as coisas é o sistema de “rebobibar”, possibilitando o jogador a voltar quantos turnos quantas vezes quiser caso veja que os resultados de suas ações foram desastrosos. O comando acaba não sendo completamente “bom”, pois quando ele é ativado tudo se perde, tanto as ações erradas quanto as certas, servindo mais de “atalho” para fazer tudo de novo do que um facilitador, já que uma simples troca de ordem das mesmas ações pode resultar em algo completamente diferente. Outro elemento bacana é a de “raças”; para combater humanos, por exemplo, habilidades passivas podem ser adquiridas em lojas para desferir mais danos em humanos, assim como receber menos, e assim por diante. Além das habilidades passivas relacionadas às raças, outras como para evitar doenças, diminuir danos elementais e até de tipos de armas podem ser adquiridas, deixando um leque colossal de possibilidades de customização de um único personagem para uma única situação. Analisar o terreno e o tipo de inimigo presente antes de começar a partida, portanto, acaba fazendo parte da estratégia.
O único real ponto negativo fica para o drop rate do jogo – Além de comprar, o jogador pode também forjar seus itens, que em geral acabam sendo versões melhores que as encontradas nas lojas. Para isso, é preciso juntar itens, que podem ser encontrados nas próprias lojas, em baús e derrubados aleatoriamente pelos inimigos… e é aí que fica o “pequeno” problema: Uma coisa é derrotar inimigos que derrubam itens em um RPG normal, onde várias lutas podem ocorrer em um único minuto. Outra é fazer isso em um tactics como Tears to Tiara 2, que além de demorar muito mais para terminar uma única batalha, a taxa de drop do jogo é ridiculamente baixa, necessitando de intermináveis “rebobinadas” ou mesmo repetir o terreno de novo, tudo por um único item comum de um inimigo igualmente comum.
Outra coisa que pode incomodar um pouco é a miséria financeira que o jogador passa nos primeiros capítulos da campanha principal, pois os preços das coisas simplesmente não batem com o capital ganho a cada vitória.
Leve 2, pague 1
Tears to Tiara 2 depende muito das estratégias do jogador, mas o tempo médio para terminar o modo campanha acaba sendo em torno de 60 horas. Para aqueles que gostam de desafios, há várias formas de conseguir o feito: concluir todos os estágios no nível hard, sem alterar a dificuldade; concluir a maioria dos estágios com Rank S, ou seja, sem deixar ninguém morrer, sem ninguém do grupo com nível muito alto, com o mínimo de turnos e etc (aumenta o dinheiro e itens ganhos); e realizando todos os “bônus” de cada estágio, que são basicamente missões extras/secundárias quase sempre mais difíceis que a principal (melhora o rank, dá mais dinheiro e itens). Qualquer um desses desafios (ou todos eles juntos) podem aumentar vertiginosamente a dificuldade do jogo, e, consequentemente, o tempo que leva para ser terminado.
Mas o real desafio é o que abre depois dos créditos: Uma dungeon de 50 andares é liberada, com design ainda mais bem trabalhado, dificuldade hard obrigatória, sistema de rebobinar desativado e a impossibilidade de acessar lojas de armas/sistema de forja e Free Maps enquanto não concluir 5 andares de uma vez só. É aqui que o domínio de todas as mecânicas e senso tático do jogador são exigidos ao máximo, sendo recompensado a cada avanço por equipamentos poderosos que podem ser extremamente úteis em um New Game +.
Representando bem
Tears to Tiara 2 é um jogo sensacional. Um tactics de altíssimo nível que não aparecia há tempos e uma história com densidade que fazia mais falta ainda. Facilmente um dos melhores jogos japoneses para Playstation 3.
Nota: 10 (Checkmate)
jogadorpensante.com/2014/01/04/tomios-review-tears-to-tiara-2/